SOFRIMENTO

Sei o sofrimento do mundo.

Mas o sofrimento do mundo se mudou em medo.

O medo é individualismo em estado puro.
Em vez de cuidar das pessoas, me protejo de seu sofrimento.
Não quero pegar.
Aids, gripe, dívida, depressão, pânico, gula, acidente, assalto, derrame, câncer, ataque do coração, ódio…

Mas não consigo fugir do sofrimento.
Ele chega. Está próximo.
Finjo socialmente que ele não existe.
Não, só existe para os outros.
Eu sei me divertir, separar as coisas.

Tenho medo porque preciso desesperadamente afastar de mim o sofrimento.

Mas se eu me dirigir a ele, poderei ser útil, curar…
Não existe medo na solidariedade.

Quando o medo vai embora posso contemplar de boca aberta o verdadeiro sofrimento do mundo:
A opressão.

A sujeição do homem pelo homem, da mulher pelo homem, da mulher pela mulher, do homem pela mulher.

Em suas muitas caras: a fome, a favela, o tráfico, as milícias, ignorância, falta de perspectivas, desemprego, situação de rua, preconceito, baixos salários, jornada de trabalho extensa, transporte precário e caro, tortura, desaparecimento, injustiça, confinamento, expulsão, precariedade, escravidão, humilhação, alienação do trabalho, da cultura, do pensar, do agir político e da reflexão ética.

O sofrimento do mundo está presente dentro da minha casa, na despensa, no guarda-roupa, nos meus brinquedos tecnológicos…

O sofrimento do mundo não deveria necessitar ser buscado, pois está sempre presente.

Mas, para começar a vê-lo, será preciso olhar mais tempo, em silêncio. Que nem quando a gente quer ver os peixes nas piscininhas d’água do mar. Primeiro a gente só vê areia, depois aparecem os caranguejos, escuros ou sem cor, com suas pinças ameaçadoras. Mas se você guentar ficar quietinho mais um pouco, aí aparecem os peixinhos coloridos de amarelo e azul, os brilhantes e até algum dourado.

O sofrimento do mundo não dá medo, mas tristeza. E, com um impulso de energia, também acorda nosso senso de responsabilidade. Ou seja, o sofrimento do mundo é necessidade de agir.

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